Will Assunção é turismólogo e especialista em comunicação e escreve sobre cultura e sociedade
Casarão secular preserva história do coronelismo na Chapada Diamantina ─ Foto: Will Assunção/WAErguido no século 19, em meio à paisagem árida e monumental da Chapada Diamantina, o casarão da comunidade Água Suja é mais que uma construção antiga — é um relicário de memórias que resistem ao esquecimento. Localizado entre os municípios de Jussiape e Abaíra, no coração do sertão baiano, o imóvel preserva marcas profundas de um período em que o poder dos coronéis e a escravidão moldavam as relações sociais, econômicas e humanas da região.
O casarão, segundo o atual proprietário, Nelson Luz, pertenceu ao primeiro coronel intendente de Jussiape, Rodrigo Alves Teixeira, no início do século 20. Antes dele, a casa foi do pai do intendente, Joaquim Alves, patriarca de uma das famílias mais influentes da região à época. Hoje, descendente direto desses antigos senhores de terras, Nelson Luz abre as portas do imóvel a visitantes e curiosos que desejam compreender o passado que ali ainda respira, entre os móveis antigos e as paredes de taipa.
Mais do que uma edificação, o patrimônio reúne elementos simbólicos do coronelismo, como o arranjo arquitetônico imponente, o pátio central e, de forma mais dolorosa, a senzala — espaço sombrio que abrigava pessoas escravizadas vindas de diferentes regiões do continente africano. O contraste entre o requinte da casa-grande e a simplicidade forçada das moradias dos cativos ecoa, ainda hoje, a desigualdade que sustentou o poder dos antigos coronéis.
O repórter da WA, Will Assunção, registrou detalhes da arquitetura e constatou traços típicos do período em que o casarão foi erguido: janelas altas, paredes espessas e uma varanda que se abre para o horizonte seco da caatinga. Cada pedra, cada fresta, parece narrar fragmentos de uma história em que o tempo se mistura à memória dos que ali viveram e trabalharam — uns no mando, outros na servidão.
Aos 95 anos, a sobrinha-neta do coronel Rodrigo Teixeira ainda reside no casarão, ao lado de Nelson Luz e sua esposa. Sua presença silenciosa dá corpo a uma linhagem que atravessou séculos e transformações. No interior daquela casa, o passado não é apenas lembrado — é vivido de certa forma. E, enquanto o casarão resistir ao tempo e às intempéries, continuará a testemunhar o entrelaçamento de dor, poder e herança que compõem a história do sertão baiano.