Retrospectiva dos fatos que marcaram o 24 de Novembro




O médico Procópio Alencar eleito prefeito de Jussiape ─ Foto: Will Assunção/WA

A reconstrução da tragédia de 24 de novembro
O WA reconstruiu os fatos que marcaram o atentado de 24 de novembro, a partir da pesquisa conduzida pelo repórter Will Assunção, que resultou em um artigo científico apresentado e divulgado em 2013.

A reportagem faz uma retrospectiva detalhada da tragédia ocorrida em 2012, quando uma série de ataques deixou quatro mortos — entre eles, Procópio Alencar, eleito com 58,48% dos votos válidos em outubro daquele mesmo ano — e três feridos. O atirador Claudionor Galvão de Oliveira, conhecido como Coló, alvejou três integrantes do grupo político liderado por Procópio e atingiu dois policiais militares antes de ser morto em confronto.

Prefeito, primeira-dama e funcionário público são alvejados

24/nov/2012 – A manhã de sábado começou com tiros em Jussiape. O prefeito Procópio Alencar, de 76 anos, e sua esposa Jandira Alencar, de 71, foram mortos por um atirador. Segundo informações obtidas pelo WA, Oderlange Pereira, de 46 anos, funcionário terceirizado pela Embasa, foi baleado na cabeça enquanto conversava com amigos em um bar. 

O autor dos disparos, Claudionor Galvão de Oliveira, de 43 anos, invadiu o consultório médico do prefeito — anexo à residência — e abriu fogo. Jandira foi atingida no centro da cidade, quando retornava para casa. De acordo com a apuração, tanto o prefeito quanto a primeira-dama morreram instantaneamente. Oderlange ainda foi socorrido, mas não resistiu.

Três pessoas ficaram feridas durante o ataque. Depois de matar três pessoas, Claudionor trocou tiros com policiais militares, ferindo dois deles. Um refém, confundido com cúmplice, também foi alvejado. O atirador foi abatido no centro da cidade, encerrando a sequência de violência que abalou o município.

Estado de saúde do policial atingido é grave

24/nov/2012 – O policial militar Givanildo dos Santos Alves, de 31 anos, foi baleado na cabeça durante o confronto e levado em estado grave a um hospital em Vitória da Conquista. 

O tiroteio aconteceu por volta das 11h, quando o policial tentou conter o caçador armado que aterrorizava o centro de Jussiape. Claudionor foi morto no local. 

A 20ª Coorpin e a Caesg foram enviadas à cidade para reforçar a segurança.

Morte do prefeito é destaque na imprensa internacional

25/nov/2012 – A morte do prefeito de Jussiape repercutiu na imprensa estrangeira. O jornal espanhol La Información destacou a tragédia; o chileno El Mércurio relatou que a polícia ainda não dispunha de informações detalhadas; e o colombiano La República enfatizou que o comerciante Claudionor Galvão enfrentou a polícia antes de ser morto. As informações da agência EFE circularam em diversos portais internacionais.

Corpo do atirador é enterrado em Jussiape

25/nov/2012 – O corpo de Claudionor Galvão de Oliveira foi sepultado ao amanhecer no cemitério de Jussiape, acompanhado apenas por um primo. Autoridades cogitaram que o atirador poderia ter sofrido um surto psicótico antes do ataque.

Velório das vítimas

25/nov/2012 – Os corpos do prefeito Procópio Alencar, da primeira-dama Jandira Alencar e do funcionário Oderlange Pereira foram velados em suas residências. O casal foi homenageado na Câmara de Jussiape, onde centenas de pessoas compareceram. O governador Jaques Wagner (PT) esteve presente. Pelas redes sociais, a população expressou dor e incredulidade.

Multidão enfrenta grandes filas para o último adeus



Multidão enfrenta fila para última despedida do prefeito e primeira-dama de Jussiape ─ Foto: Will Assunção/WA

25/nov/2012 – Desde o início da tarde, uma multidão se concentrou na praça central para acompanhar a chegada do cortejo fúnebre. Longas filas se formaram diante da Câmara, onde políticos e cidadãos prestaram homenagens. Às 17h10, o caixão do prefeito e de sua esposa deixou o local, seguido por aplausos e lágrimas.

Prefeito de Jussiape e primeira-dama são enterrados

25/nov/2012 – O sepultamento de Procópio e Jandira Alencar ocorreu às 17h30 no cemitério municipal. Amigos, familiares e admiradores acompanharam o cortejo, que percorreu as ruas entre aplausos e choro. O casal foi sepultado lado a lado, sob aplausos e emoção coletiva.

Amigos e familiares dão o último adeus a Oderlange Pereira

25/nov/2012 – Minutos após o sepultamento do casal, o corpo de Oderlange Pereira foi levado ao mesmo cemitério. Amigos e familiares acompanharam o cortejo em silêncio, marcando o fim de um dia de luto na cidade.

Comentário do repórter




Despedidas das vítimas ─ Foto: Will Assunção/WA

Will Assunção | 25/nov/2012 – Centenas de pessoas se emocionaram no último adeus às vítimas do atentado. As flores coloridas representavam a vida, o amor e a saudade. As lágrimas eram o idioma do silêncio coletivo — a expressão mais sincera da perda. A sensação predominante era de orfandade. Ninguém estava preparado para aquele adeus.

O cemitério foi tomado por uma energia comum, quase espiritual, que unia todos os presentes. Entre a dor e a resignação, buscava-se força nos exemplos deixados por quem partiu cedo demais.

Caixão do atirador é violado e queimado parcialmente

26/nov/2012 – Na madrugada de segunda-feira, o túmulo de Claudionor de Oliveira foi violado e o caixão parcialmente incendiado. O corpo não foi atingido. O ato de profanação ocorreu menos de 24 horas após o sepultamento. Um primo do atirador encontrou o túmulo violado e o mandou selar novamente com cimento.

Policial atingindo está em coma induzido

26/nov/2012 – O policial Givanildo dos Santos Alves permanece em coma induzido, segundo o neurocirurgião Juliano Batista, responsável pelo caso. Transferido de helicóptero para Vitória da Conquista, ele passou por cirurgia de urgência após o projétil alojar-se em seu crânio. Apesar do risco de morte, a equipe médica informou que o paciente apresentava pequenas melhoras. “A reação vem sendo satisfatória, apesar de grave e (o paciente) apresenta pequenas melhoras”, disse o médico.

Presidente da Câmara convoca população para a Caminhada pela Paz

28/nov/2012 – O presidente da Câmara, Gilberto dos Santos Freitas (PSC), convocou moradores e cidades vizinhas para uma Caminhada pela Paz, marcada para o dia 29. O trajeto sairia da Praça 9 de Julho até a Praça Rodrigo Alves Teixeira. “Jussiape é de todos nós”, declarou. “Devemos caminhar juntos pela paz e pelo bem comum.” O gestor pediu que todos vestissem branco durante o ato.

Caminhada pela Paz reúne população em Jussiape

29/nov/2012 – Vestida de branco, uma multidão percorreu as principais ruas de Jussiape. À frente, o presidente Gilberto Freitas conduzia o cortejo. O percurso, da Praça 9 de Julho à Praça Rodrigo Alves Teixeira, foi marcado por orações, cânticos e discursos de líderes religiosos. No palanque improvisado, o apelo era uníssono: paz e reconciliação.

Pedido pela paz

29/nov/2012 – Durante o ato, o morador Rodrigo Leite fez um pedido emocionado: “Vamos ajudar Bel a administrar Jussiape, com paz e respeito ao próximo”. O discurso foi aplaudido pela multidão que lotava a praça em frente à Câmara.

Procópio Alencar, o pai dos pobres

29/nov/2012 – No mesmo evento, uma mulher recordou o prefeito assassinado: “Foi ele quem matou a minha fome. Perdemos um pai”, disse, chorando. O testemunho sintetizou o sentimento de boa parte da população.

Presidente da Câmara é empossado prefeito de Jussiape



O prefeito de Jussiape Gilberto Freitas ─ Foto: Will Assunção/WA

30/nov/2012 – Diante de autoridades civis, religiosas e militares, Gilberto Freitas assumiu oficialmente a Prefeitura de Jussiape. “Não me peçam perseguições”, declarou, em tom firme. “Meu compromisso é com o povo.” 

O filho do ex-prefeito, Robson Alencar, encerrou a cerimônia com um discurso conciliador. “Mesmo não tendo uma igreja, o importante é fazer o bem ao próximo, o que deve ser um sentimento de prioridade no ser humano. Se um dia eu vier concorrer a um cargo político, eu colocarei na lista, declarando meus bens, um milhão de amigos. Recebi ligações de quase todos os estados brasileiros, e de vários lugares do mundo. Eu desejo ao meu amigo e a todos que tenhamos um mandato de paz. Imagino que daqui a um ano teremos uma cidade bem melhor. Estou disposto a ajudar todos vocês. Sou o mesmo de sempre”, finalizou Robson Alencar.

Emaranhado político

Com a morte de Procópio Alencar, a sucessão política se tornou um caso inusitado para a Justiça Eleitoral. Como Alencar havia sido vice de Vagner Freitas (PTB), cassado em 2010, e o então presidente da Câmara, Gilberto Freitas, era seu vice na chapa, ele assumiu o cargo até dezembro. Em janeiro de 2013, foi empossado prefeito para concluir o mandato até 2016.

Segurança particular



Segurança particular monitorou residências em Jussiape ─ Foto: Will Assunção/WA

8/dez/2012 – O medo persistia. Cerca de 76 residências contrataram vigilância privada da empresa OPE, que passou a patrulhar as ruas entre 20h e 5h. Jussiape contava com apenas três policiais fixos e oito de reforço. “Agora me sinto mais segura”, disse uma moradora. “Aqui, não há vizinhos por perto — qualquer coisa pode acontecer.”

Gilberto Freitas toma posse em sessão na Câmara

1º/jan/2013 – O novo prefeito tomou posse oficialmente, prometendo governar com diálogo e transparência. Com as fotos de Procópio e Jandira sobre a mesa, declarou: “Meu compromisso é com Jussiape, não com partidos”. Citando Romário, acrescentou: “Jussiape só deixará de ser atrasada quando a educação for valorizada”.

Campanha de 2020 e o apelo populista à memória de Procópio Alencar

A campanha municipal de 2020 reacendeu memórias do passado. O então prefeito e candidato à reeleição Éder Jakes adotou um discurso de fé e emoção em meio à pandemia, após prometer evitar aglomerações e convocar, em seguida, um grande ato público. Suas falas e canções religiosas se tornaram marca de uma campanha de forte apelo populista, conduzida com o apoio da primeira-dama Hilda Rejane.

A retórica maniqueísta — o “bem” contra o “mal” — tomou forma nos palanques, e a imagem de Procópio Alencar, morto na tragédia de 2012, foi resgatada como símbolo emocional. A lembrança do “pai dos pobres” foi usada como ferramenta política em um município ainda tentando cicatrizar suas feridas.