Procópio Alencar ─ Foto: Will Assunção/Editoria de Arte da WA
Em 2023, o evento trágico de 24 de novembro, marcado por uma série de ataques que deixou quatro pessoas mortas e outras três feridas, em Jussiape, na Bahia, completa 11 anos e legou às novas gerações paradigmas que devem ser enfrentados com lucidez.
A fatalidade ficou marcada como um trauma coletivo na população. Além dos familiares das vítimas padecerem de enorme sofrimento, muitos que vivenciaram a tragédia tiveram de lidar com o impacto dos fatos. Amigos, colegas de trabalho, opositores, admiradores e seguidores — sem distinção — foram atingidos de diferentes formas. No entanto, não nos cabe mensurar a dor sentida por cada um ou comparar o sofrimento de quem perdeu um pai, uma mãe ou um amigo.
Uma postura desatenta, movida pelo senso comum, ainda paira sobre aqueles que desejam esquecer o ocorrido e enterrar o acontecimento na esperança de sanar o sofrimento causado pelas perdas no atentado. Outros, porém, se despojam do pouco de humanidade que ainda lhes resta e se sujeitam a julgar, sem critério nem respeito à dignidade humana, as vítimas.
Hannah Arendt, filósofa do século 20, sob a premissa do pensamento político, defende que a maldade é forjada nas fendas mais profundas da banalidade. Ao contrário da bondade, a maldade pode se manifestar de forma comum e corriqueira, sem precisar ser extraordinária.
George Santayana, pseudônimo de Jorge Agustín Nicolás Ruiz de Santayana y Borrás, filósofo, poeta e ensaísta espanhol, disse que “aqueles que não podem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. O aforismo aparece em A Vida da Razão, livro publicado em 1905, mais precisamente no volume 1, capítulo 12, e serve para ilustrar como a história da humanidade é, em grande parte, uma história de horror.
Muitos preconizam que Mein Kampf (Minha Luta, em tradução para o português), livro de autoria de Adolf Hitler, no qual o Führer expressou ideias antissemitas e nacional-socialistas de extrema direita, adotadas pelo partido nazista, deveria ser extinto e proibido ao público. Trata-se de um pensamento equivocado e descuidado, pois restringe o acesso a um documento histórico e cultural — atitude que uma sociedade democrática jamais deveria cogitar, mesmo que o conteúdo da obra seja horrendo e atroz. O livro foi banido em 1945.
A censura a Minha Luta e a tentativa de apagamento, ou de imposição de opacidade ao 24 de Novembro, não são apenas questionáveis, mas ineficientes. O esforço de esquecer os fatos do passado não é a melhor forma de combater ideias desumanas ou diminuir a dor. Os acontecimentos que marcaram a história precisam ser debatidos, analisados e, se necessário, combatidos com consciência e em conformidade com o que preconiza a lei.
Uma justificativa para essa defesa é a de que impedir um cidadão adulto de se informar sobre a história ou sobre ideias políticas consideradas perigosas é uma forma ineficaz de controle sobre o indivíduo. Essa tática nada mais é do que uma investida para minar as bases da democracia. O leitor não pode ser tratado como incapaz de tirar suas próprias conclusões sobre o passado e, justamente por isso, não pode ser excluído do debate acerca dos fatos históricos.
O papel da imprensa
Jornalismo é jornalismo. Não há como se esquivar de sua função de tratar daquilo que ninguém tem coragem, por mais dolorosos que possam ser os fatos. É necessário aprender com o passado para não cometermos os mesmos erros no futuro — confirma uma máxima já puída entre nós.
A tragédia, como acontecimento factual, deve ser tratada com cuidado e respeito. Não podemos, de modo algum, esquecê-la, pois a humanidade precisa estar sempre atenta à própria capacidade destrutiva, fincaria Arthur Schopenhauer, filósofo do século 18 que se dedicou à natureza humana. Por outro lado, o papel do jornalismo não se resume a elucidar crimes, mas deve tratar dos fatos e expor à sociedade o verossímil que circunda o factual. A imprensa não toca na banda, mas vê a banda passar — já proclamaria o jornalista Joel Silveira.
