A trajetória criminal de Adson Muniz, preso por série de estupros e fraudes

Will Assunção é especialista em comunicação e colunista do WA

O ex-vereador Adson Muniz ─ Foto: Will Assunção/WA

Adson Muniz Santos, ex-político baiano, usava disfarces e credenciais falsas para cometer crimes contra mulheres em bairros nobres da capital paulista; investigações apontam padrão repetitivo e planejado.

Prisão e operação policial
Adson Muniz Santos, ex-vereador de Jussiape, na Bahia, foi preso na manhã de quarta-feira, 11 de outubro de 2017, em um hotel próximo ao estádio do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo. A operação mobilizou mais de 50 policiais e resultou na apreensão de distintivos falsos da Polícia Federal, credenciais simuladas de televisão e uma pistola de brinquedo, utilizados para coagir vítimas em abordagens urbanas.

Muniz não possuía residência fixa na capital paulista. A escolha por hotéis de luxo como base temporária facilitava sua mobilidade e reforçava a imagem de prestígio que utilizava para atrair mulheres e dificultar a investigação.

A prisão foi resultado de meses de monitoramento e análise das ações do ex-vereador. Vídeos de câmeras de segurança, relatos de vítimas e a identificação de padrões de abordagem foram cruciais para consolidar a investigação.

Modus operandi e padrão de ação
Muniz atuava desde 2012, abordando mulheres de maior poder aquisitivo em aeroportos, shoppings e ruas de bairros nobres de São Paulo, incluindo Jardins, Itaim Bibi e a região da Consolação.

Ele se apresentava de diferentes formas: produtor de TV, policial federal ou membro de facções criminosas. A exibição de credenciais falsas e armas simuladas servia para criar medo e reforçar a autoridade percebida diante das vítimas.

O padrão de abordagem incluía contato inicial em locais públicos, persuasão por suposta influência social ou política, seguida de coerção financeira e sexual. O comportamento indicava planejamento sistemático e exploração de vulnerabilidades sociais e psicológicas.

Entre as vítimas reconhecidas oficialmente, 21 confirmaram ter sido abordadas por Muniz. A polícia acredita que o número real de mulheres afetadas seja maior, considerando relatos de ataques similares em outros estados, como Goiás, Rio de Janeiro e Bahia.

Casos emblemáticos
No dia 6 de outubro de 2017, Muniz abordou uma mulher de 48 anos no bairro Jardins. Exigiu que abaixasse os vidros do carro, mostrou um distintivo falso da Polícia Federal e entrou no veículo. A vítima permaneceu sob custódia por cerca de três horas, sendo obrigada a sacar R$ 1 mil em um caixa eletrônico e entregar pertences de valor, incluindo relógio e joias.

Durante o período de detenção, Muniz praticou atos sexuais sob ameaça de arma. A vítima conseguiu escapar quando o carro parou em um semáforo, reforçando a gravidade das ameaças e o planejamento detalhado do agressor.

Em 2 de outubro de 2017, Muniz abordou outra mulher no aeroporto de Congonhas, apresentando-se como produtor de TV. Ele a convidou para participar de um programa, marcou encontro em hotel e, sob ameaça de arma, praticou abuso sexual, evidenciando a repetição sistemática do modus operandi.

Outros ataques ocorreram em estacionamentos e ruas movimentadas. Muniz utilizava persuasão, disfarces e autoridade aparente para dominar e intimidar suas vítimas, muitas vezes exibindo fotos em redes sociais com políticos e celebridades para legitimar sua imagem.

Evidências coletadas
Gravações da Casa Santa Luzia e de outros locais foram determinantes para identificar Muniz, mostrando suas abordagens e o uso de credenciais falsas e armas simuladas. 

Câmeras de segurança de aeroportos, estacionamentos e hotéis permitiram mapear padrão de horários, locais e modus operandi, revelando planejamento e repetição sistemática.

Relatórios policiais indicaram que Muniz pesquisava suas vítimas antes das abordagens, selecionando aquelas com maior poder aquisitivo e vulnerabilidades percebidas, reforçando caráter premeditado e estratégico.

A Delegacia da Mulher classificou Muniz como “predador sexual”, destacando o padrão sistemático, a escolha das vítimas e a manipulação psicológica combinada à coerção física.

Trajetória política
Muniz iniciou sua carreira política em 2012, sendo eleito vereador de Jussiape pelo Partido Republicano Brasileiro, mandato que durou até 2016. Tentou cargos de deputado estadual e federal sem sucesso, permanecendo como suplente de vereador após derrotas nas urnas.

Durante seu mandato, Muniz manteve presença ativa em redes sociais, exibindo viagens internacionais, encontros com políticos e celebridades, e automóveis de luxo. Esta ostentação, posteriormente, serviu como ferramenta para gerar credibilidade perante potenciais vítimas.

A vida pública de Muniz e a exposição nas redes sociais, incluindo fotos com políticos e figuras públicas, foram instrumentos para reforçar sua autoridade aparente, explorando simbolicamente prestígio e poder na manipulação de vítimas.

Ambições presidenciais e simpatia política
Muniz declarou publicamente intenção de se candidatar à Presidência da República, afirmando que seu objetivo seria combater corrupção e reduzir mortes no país. Seu discurso incluía referência a uma vida de serviço público e realização de benfeitorias em Jussiape.

O ex-vereador também manifestou publicamente admiração por Donald Trump, compartilhando posições do ex-presidente americano e se apresentando em redes sociais como adepto de políticas liberais e de perfil conservador. Essa afinidade política reforçava sua construção de autoridade e imagem de poder perante as vítimas e seguidores.

Muniz utilizava a ostentação de luxo como ferramenta simbólica, exibindo carros importados, viagens internacionais, hospedagens em hotéis de alto padrão e fotos com celebridades, projetando imagem de sucesso financeiro e influência política.

Processo judicial e condenações
Muniz foi condenado por nove crimes contra mulheres, incluindo seis estupros, além de sequestro, roubo e extorsão. As penas somadas totalizam 59 anos e oito meses em regime fechado, refletindo a gravidade e a série dos crimes cometidos.

Ele também responde por estelionato e falsidade ideológica, relacionados à produção de documentos falsos e credenciais simuladas, que usava para enganar e coagir vítimas.

Cinco exames psiquiátricos confirmaram que Muniz é imputável, ou seja, plenamente consciente da gravidade de seus atos, afastando alegações de insanidade.

A defesa recorre das condenações, alegando que atos sexuais e obtenção de dinheiro ocorreram com consentimento. No entanto, decisões judiciais e laudos reforçam coerção, ameaça e padrão sistemático.

Reflexos e contexto
Entre 2016 e 2017, Muniz atacou pelo menos 26 mulheres em São Paulo, repetindo padrões de coerção sexual e financeira, evidenciando planejamento meticuloso e exploração de símbolos de autoridade.

As abordagens de Muniz combinavam disfarces, credenciais falsas e armas simuladas, demonstrando comportamento calculado e estratégico, além da manipulação psicológica de vítimas.

O caso evidencia fragilidades da segurança urbana e desafios na proteção de mulheres, mostrando como ostentação de luxo, política e manipulação psicológica podem se unir em um padrão contínuo de abuso.

A trajetória de Muniz combina vida política, ambições presidenciais, simpatia por líderes internacionais e crimes sistemáticos, revelando um perfil multifacetado e complexo, cuja investigação e condenação representam marco em responsabilização judicial de crimes de alto impacto.

Especialistas destacam que a exposição de figuras públicas, combinada à manipulação de símbolos de autoridade, cria risco adicional às mulheres, reforçando a necessidade de protocolos de segurança e vigilância em áreas urbanas de alto padrão.

Ambições políticas e discurso populista
Na saída da delegacia, diante das câmeras e microfones, Adson Muniz manteve o tom político que o acompanhou por toda a vida pública. “Meu foco é ser candidato a presidente para acabar com a corrupção e para que ninguém mate ninguém neste país”, declarou. O ex-vereador também afirmou ter ajudado “bastantes pessoas em Jussiape” durante o período em que exerceu mandato, evocando um discurso populista que misturava religiosidade, moralidade e autoproclamação de inocência.

Mesmo algemado, Muniz manteve a postura de figura pública em campanha, enquanto repetia frases de efeito. Essa tentativa de controle da narrativa, segundo investigadores, fazia parte de seu comportamento habitual — uma combinação de vaidade, autopromoção e tentativa de manipular percepções.

Nascido em Livramento de Nossa Senhora, interior da Bahia, Muniz concluiu o ensino médio e iniciou a vida política em 2004, quando tentou pela primeira vez uma vaga na Câmara de Vereadores de Jussiape, pelo Partido Popular Socialista (PPS). Derrotado, voltaria a concorrer em 2008, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), também sem sucesso.

Sua primeira vitória eleitoral veio em 2012, quando foi eleito vereador pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB). O mandato, de 2013 a 2016, marcou o auge de sua carreira política, mas também o início de uma trajetória de contradições, polêmicas e discursos grandiosos.

Ainda no cargo de vereador, Muniz lançou duas pré-candidaturas ambiciosas: a deputado estadual em 2010, pelo PDT, e a deputado federal em 2014, pelo PRB. Nenhuma delas teve êxito. Em sua tentativa de ingressar no Congresso, obteve apenas 478 votos (o equivalente a 0,01% do total), resultado que não o impediu de se declarar, em redes sociais, como “um nome preparado para o futuro do Brasil”.

A construção do mito pessoal
Em suas redes sociais, Muniz cultivava uma imagem de homem bem-sucedido e carismático. Postava fotos em aeroportos internacionais, dirigindo carros importados e posando com políticos e celebridades, como o então prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella e o deputado Celso Russomanno, ambos do PRB. A retórica de sucesso e poder era parte central da persona pública que utilizava também como ferramenta de sedução e manipulação.

“Rumo à vitória” era um dos lemas frequentemente repetidos por Muniz. Em uma postagem de 2018, ele aparece ao lado de um automóvel de luxo com a frase estampada em letras garrafais: “Adson Presidente, o Brasil em primeiro lugar!”. A expressão, inspirada no slogan de Donald Trump, “America First”, refletia sua admiração pelo ex-presidente norte-americano.

Em diversas publicações, Muniz manifestava afinidade com as ideias de Trump, exaltando o conservadorismo, a retórica contra a corrupção e a defesa do uso da força como resposta à criminalidade. Seus perfis no Facebook e Instagram traziam menções à política americana, mescladas a mensagens religiosas e frases de autoexaltação.

Segundo a delegada Christine Nascimento Guedes Costa, responsável pelo caso, essa construção de autoridade política e simbólica tinha papel fundamental no comportamento criminoso do ex-vereador. “Ele utilizava o poder como arma psicológica”, afirmou. “Era capaz de alternar entre o discurso político e a intimidação direta para subjugar as vítimas.”

Manipulação, disfarces e ameaças
Muitas das vítimas relataram à imprensa que Muniz, quando rejeitado, reagia com agressividade. Exibia uma arma de brinquedo, mostrava um distintivo falso da Polícia Federal e dizia ser policial ou membro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Em alguns casos, chegou a afirmar que era amigo de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, uma das principais lideranças da facção, para intimidar mulheres.

Uma empresária de 50 anos, abordada no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, relatou ter sido surpreendida por Muniz, vestido de terno e se apresentando como figura conhecida. “Ele falou: ‘Eu sou o Adson Muniz e sou famoso, olhe minhas fotos na internet’”, disse. Quando a mulher tentou se afastar, ele a agarrou pelo braço, gritou que era amigo de Marcola e a beijou à força. “Comecei a andar rápido, ele ria. Foi aterrorizante”, contou.

Essa combinação de vaidade e intimidação tornava Muniz particularmente perigoso. Para as autoridades, o ex-vereador operava dentro de uma lógica narcisista, sustentada por símbolos de status e poder, com discurso populista e atitudes coercitivas.

Negação e contradições
Ao ser confrontado com as imagens de câmeras de segurança, Muniz admitiu ser ele nas gravações, mas negou ter estuprado as mulheres ou se passado por produtor de televisão. “Essas acusações, a maioria delas, são falsas”, afirmou.

A Justiça paulista já o condenou por estupro e roubo contra nove vítimas, mas a decisão ainda cabe recurso. Ele também é réu em ação de indenização movida por uma advogada, que pede R$ 100 mil por danos materiais e morais.

Segundo a 1ª Delegacia de Defesa da Mulher, 21 vítimas já formalizaram denúncias. O número, contudo, tende a crescer, com novos registros surgindo em São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro e Bahia. O caso foi classificado pela delegada Christine Guedes como “um exemplo de predação sexual em série”.

Ostentação e laços familiares
Adson Muniz, de 34 anos, usava imagens de luxo como “isca” para atrair mulheres. Em redes sociais, exibia viagens ao exterior, hotéis cinco estrelas e eventos com celebridades. Essa ostentação de poder simbólico reforçava a confiança inicial das vítimas, tornando-as mais suscetíveis às manipulações.

Em 2013, o nome da família Muniz voltou ao noticiário quando o irmão do ex-vereador foi preso em Montes Claros, Minas Gerais, dirigindo uma caminhonete com placas falsas e registro de roubo em São Paulo. O homem declarou à Polícia Rodoviária Federal que o veículo havia sido entregue pelo irmão vereador para ser levado à Bahia.

Contradições e episódios obscuros
No ano seguinte, já como vereador, Adson Muniz alegou ter sido vítima de um sequestro relâmpago em Salvador. Disse que foi seguido por criminosos no bairro do Rio Vermelho, espancado e deixado inconsciente. Relatou o roubo de US$ 20 mil e R$ 2 mil, mas mudou sua versão no dia seguinte, afirmando que o dinheiro havia sido entregue por um amigo aos sequestradores.

O episódio, à época, gerou dúvidas entre colegas de Câmara e jornalistas locais. Documentos médicos confirmaram apenas “trauma superficial na cabeça”. A contradição entre os depoimentos levou a suspeitas de encenação, hipótese que hoje, diante do histórico criminal, ganha novo peso interpretativo.

Um político entre a ficção e a farsa
Em 2014, Muniz tentou capitalizar sua visibilidade ao receber apoio público do jogador Ronaldinho Gaúcho em uma publicação nas redes sociais. O astro desejou boa sorte ao então candidato a deputado federal e pediu aos seguidores que “votassem com consciência”. Muniz chegou a contatar a apresentadora Carol Magalhães para ser garota-propaganda de sua campanha, mas o convite foi recusado.

Entre a política e o crime, entre a autopromoção e a manipulação, Adson Muniz construiu uma biografia onde poder e impostura se misturam. De vereador de cidade pequena a réu por múltiplos estupros, ele representa um tipo particular de figura pública brasileira — o homem que usa a imagem de autoridade não para servir, mas para dominar.