O ano de 2007 foi apenas mais um para quem era jovem e estava ansioso por viver. A necessidade incontida de todos nós de nos autoafirmarmos em uma era em que a imagem ganhava um valor desmedido, somada à ascensão das redes sociais e à incerteza da vida adulta que se aproximava, tinham como trilha sonora as canções de Oracular Spectacular, do MGMT.
O duo norte-americano fazia parte de um movimento que buscava originalidade num terreno ainda pouco explorado: a fusão entre o rock alternativo e nuances de gêneros como o new wave, guiado por sintetizadores. O álbum, nas palavras de Emily Bootle, traduz “uma euforia abstrata e nostálgica por coisas que talvez nunca tenham acontecido, mas que evocam pensamentos muito reais — um sentimento em torno desse negócio de ser jovem, humano e de habitar o espaço-tempo.”
O sucesso de Oracular Spectacular se deve, em parte, à forma como o disco construiu uma noção quase caricatural do futuro. As referências ao rock progressivo e à psicodelia dos anos 1970 fazem o álbum soar como uma ficção científica vintage. Sua sonoridade oscila entre o futurismo genuíno e o anacronismo calculado: ora nas guitarras, ora nos sintetizadores. Essa estética retrô fazia parecer que o ouvinte era o próprio futuro — como se estivesse folheando 1984 ou assistindo De Volta para o Futuro. Mas não se trata de um futuro metálico nem distópico: é um futuro confortável, quase tátil, como uma hidromassagem que desperta boas sensações. É como cair de paraquedas — e não se ferir — no meio da própria juventude.
Outro detalhe que ajudou bastante a alavancar a sensação causada pelo Oracular Spectacular é o fato de o disco ter sido lançado em meio à adolescência de muita gente ─ inclusive da minha. O disco marcou uma geração que se via entre a euforia e a dúvida. Oracular Spectacular capturou a essência de quem crescia entre Skins, experimentações, como drogas leves, e confusão emocional intensa. Há nele um otimismo assustado, típico de quem tenta compreender o próprio lugar num futuro incerto. Bootle observa que o álbum mistura liberdade e melancolia, e traduz o rito turbulento da passagem da infância à maturidade.
É bem possível que todos nós tenhamos vivido algo parecido com o que o disco evoca: uma bebedeira antes da conclusão do ensino médio ─ quando nem sequer existiam filtros do Instagram ─, o carro dos pais de algum amigo subindo o morro, enquanto olhávamos as luzes da cidade do alto, com a distinta sensação de que o tempo estava passando.
Kids, talvez o hino mais emblemático daquelas noites, dava a impressão de que havíamos acabado de subir ao palco de um grande festival de música. Seu refrão — um amontoado hipnótico de "duh, duh, duh, duh, duuh, duh-duh, duh, duh, duuuuh, duuuuuuuuuuh" — era gritado aos berros em qualquer festa. Era um call to arms imaturo e irresistível. Com sua batida incessante, repetitiva e agressiva, a melodia sintetizada de Kids nos levou à adolescência adentro e deu à rebeldia um toque de inocência: os gritinhos de fundo pareciam traduzir nossas próprias emoções turbulentas em ebulição.
Mas Oracular Spectacular não se sustenta apenas em Kids diante dos Millennials. O terceiro e último single do álbum, e também o mais conhecido, capturou toda a essência jovem e bem-humorada, ainda que intensamente nostálgica, no que se tornou um dos maiores refrões dos anos 2000. A juventude vaza por cada faixa, por cada detalhe do som.
Time to Pretend, possivelmente a faixa mais poderosa do disco, é uma abordagem sarcástica dos fantásticos sonhos dos jovens e ingênuos — I'll move to Paris, shoot some heroin and fuck with the stars/You man the island and the cocaine and the elegant cars; The Youth surge mais reservada e melancólica; 4th Dimensional Transition é viajandona e empolgante; já Electric Feel tem um andamento bacana e uma melodia quase hesitante que acaba chamando atenção pela sua confiança, antes de quebrar tudo com sua ferocidade. É uma pedrada das mais pedradas, levando o disco perfeitamente até Kids, rumo a uma pegada mais pantanosa de synths psicodélicos.
O emocionado e catártico disco do MGMT — ainda que lhe falte refinamento — nasceu numa época simbólica demais para ser esquecido, afirma Bootle. E, embora seja um retrato de seu tempo, representa também um instante em que a mistura de eletropop e rock alternativo atingiu um equilíbrio raro.
Ouvi Oracular Spectacular repetidas vezes, nas madrugadas em que tentava desenhar o futuro, cercado de gente especial, entre risadas e devaneios. Era um som eletronicamente animado em uma época sensível de muitas emoções. Era um olhar para o futuro sem perder de vista o passado.
Kids nos lembrava de sermos inconsequentes. O disco representou a juventude dos millennials. Mas, como toda boa obra, continuará a representar outros tempos, outras dimensões. Oracular Spectacular é, no fim, sobre se deixar levar: mergulhar de cabeça em uma experiência, seja ela hoje, há dez anos, ou em algum futuro que ainda inventaremos.
