Escondida entre as montanhas da Chapada Diamantina, na Bahia, a Conceição foi, um dia, uma pequena povoação erguida provavelmente no século XIX — e desaparecida sem deixar rastros em meados do século XX. Hoje, o que resta são fragmentos: pedras dispersas, ruínas encobertas pela mata e memórias que se confundem com lendas. Entre bandeirantes e escravizados em busca de riquezas minerais, o passado da Conceição sobrevive como um eco distante.
Em 2018, o repórter e fotógrafo Will Assunção partiu em uma expedição ao Engenho, uma comunidade rural em Jussiape. O destino era um ponto remoto — e quase mítico — conhecido apenas por histórias contadas à sombra dos quintais. A missão era buscar evidências concretas de que a povoação realmente existiu.
A jornada revelou o rastro de um lugar que um dia prosperou — e depois se extinguiu por razões ainda desconhecidas. Entre árvores retorcidas e trilhas cobertas por folhas secas, surgem vestígios de casas, o contorno de um cemitério e as ruínas silenciosas de um antigo templo cristão.
Os mais velhos da região falam da Conceição com a mesma reverência que se reserva aos segredos. Há quem jure ter ouvido histórias passadas por avós que nasceram ali, quando a mata ainda não havia tomado conta das construções. Hoje, restam apenas netos desses moradores, e a lembrança do que foi a Conceição se dilui entre o real e o imaginado.
Cruz, que pertenceu a uma escrava, integra acervo do Museu de Antiguidades de Jussiape ─ Foto: Will Assunção/WA
O que teria levado à extinção da povoação?
Ninguém sabe ao certo. O mais provável é que o vilarejo tenha surgido no rastro dos primeiros bandeirantes e sertanistas que se aventuraram pela Chapada em busca de ouro e pedras preciosas. Com eles, vieram homens escravizados, forçados a abrir picadas e mover o solo. Essa explicação reforça a forte presença afrodescendente ainda hoje observada nas comunidades vizinhas.
Mas há também uma lenda — e, como toda boa lenda, ela resiste ao tempo. Diz-se que uma grande fortuna teria sido enterrada junto aos bandeirantes, em túmulos que repousam sob a mata fechada. Muitos acreditam que é por isso que o local foi “engolido” pela floresta, como se a natureza guardasse seus segredos.
Explorar a Conceição exige preparo. O caminho é árduo, o ar úmido, e os insetos parecem tão antigos quanto as ruínas. Um guia local avisa sobre cobras e outros peçonhentos que se camuflam entre as pedras. O som constante de um riacho, cuja nascente corta o terreno, reforça a hipótese de que o vilarejo se formou como um ponto de parada para expedições mineradoras. Segundo o geólogo Sérgio Teixeira Nunes, que integrou a expedição, a presença de quartzo nos morros da região pode indicar traços de ouro — uma pista de por que homens e sonhos se fixaram ali.
Casa abandonada é vista na trilha que leva até à Conceição ─ Foto: Will Assunção/WA
Entre os achados registrados por Will Assunção, estão peças simples, mas reveladoras: uma chave, possivelmente da antiga capela, e uma cruz que teria pertencido a uma mulher escravizada em Jussiape. Ambas hoje integram o acervo do Museu de Antiguidades de Jussiape. Um antigo morador do Engenho também recorda que seu pai, décadas atrás, encontrou três cachimbos enterrados na mata — silenciosas testemunhas de um cotidiano que o tempo quase apagou.
Hoje, a Conceição permanece envolta em mistério. O vento que passa pelos galhos secos parece carregar fragmentos de um passado ainda vivo — um lembrete de que, mesmo nas ruínas esquecidas, a história continua a sussurrar.

