Vista panorâmica de São Paulo ─ Foto: Will Assunção/WA
Era um dia como outro qualquer em São Paulo. As ruas semiacordadas que dão acesso à avenida Pedro Bueno, em Jabaquara, na zona sul, respiravam ainda o ar fresco e úmido do início da manhã, embora o orvalho já houvesse se dissipado e o barulho das buzinas reinasse uníssono entre os transeuntes. Qualquer um poderia dizer que aquele era uma belo dia para os parâmetros de um paulistano comum. Na leva de pernas que cruzavam sinais e calçadas, eu era mais um que devia cumprir o itinerário rotineiro na metrópole afamada pela falta de amor ao próximo. A impressão que se tem, parafraseando Criolo, é que aqui ninguém vai para o céu.
Como previsto, eu devia andar até o ponto de ônibus mais próximo que, a pé, me custaria menos de quatro minutos e seguir viagem até a avenida Washington Luís, ao seu extremo oposto. Um percurso que duraria, em média, mais dez minutos. Uma jornada, aparentemente, simples de aproximadamente duzentos metros que, para pedestres de outras cidades do Brasil e do mundo, não passaria de uma missão fácil, não fosse a minha localização. Padecia eu de viver na Gigante Arrogante, e isso era o bastante.
Na selva gris, entre concretos e feias fumaças, estava eu perdido entre uma faixa e uma manada feroz e incessante de carros, numa cinzenta manhã, como de costume, que podia facilmente ser confundida como bela pelos que já habituaram a sua feição. Neste labirinto místico, onde os grafites gritam, ninguém consegue se importar com a irrelevante existência de um pedestre. Ora, eu apenas queria seguir meu destino. Mas atravessar uma faixa de pedestres em determinados pontos na Pauliceia pode ser tão igual e difícil quanto, para um filhote de leão, ousar cruzar uma manada de búfalos na savana africana. Contudo, eis que surgiu o inesperado a minha vista.
Mesmo tendo que se deparar com a dura realidade todos os dias, dilacerando dentro de si qualquer sentimento de compaixão e empatia pela humanidade devido às efemérides que roubam a fé das pessoas, há sempre uma esperança ínfima no meio do caos. É, muitas vezes, do barulho e da desordem que surge a vida. Diante disso, só me restava deparar com a minha própria insignificância num território dominado pela compulsividade dos automóveis. De repente, posto pelo acaso apenas para me surpreender, uma caçamba, imponente, como um elefante em sua supremacia e magnitude na selva de pedras, cruza a pista, interdita o trânsito caótico sem pedir permissão e me concede o direito de passagem. Eu pude ver o motorista, ao volante, acenando em minha direção como quem quisesse dizer “agora é a sua vez; ande, meu irmão”. Como na natureza selvagem, quando nos fascinamos ao ver um animal desafiar a ordem vigente, aquele foi um ato de coragem e ousadia do condutor.
Atravessei a faixa ainda sem acreditar que eu podia ver um enorme caminhão atravessado na avenida, impedindo a passagem de dezenas de furiosos e apressados em horário de pico numa das maiores metrópoles – ou talvez a maior – da América Latina. Apenas segui o meu caminho realizando incansáveis meneios ao elefante da savana de concreto, como forma de gratidão e, então, eu pude constatar que, sim, encontrei amor em SP.
