Will Assunção é turismólogo e especialista em comunicação e escreve sobre cultura e sociedade
Entre grutas calcárias e o sertão ardente, romeiros do Brasil inteiro seguem caminhos de devoção em uma das maiores peregrinações do país.
A cidade baiana, famosa pelo santuário do Bom Jesus, mescla turismo religioso, beleza natural do cerrado e tradições do Rio São Francisco, oferecendo aos visitantes uma experiência que é tanto espiritual quanto sensorial.
O visor do celular marcava 4h38 da manhã quando o carro parou em frente ao ponto de encontro dos romeiros. O destino: Bom Jesus da Lapa, no oeste baiano, às margens do Rio São Francisco. De Jussiape, extremo sul da Chapada Diamantina, até a cidade sagrada, seriam 322 quilômetros de estrada. Quem parte de Salvador percorre quase o dobro: 784 quilômetros de cerrado e caatinga, de verdes e vermelhos entrecortados pelo sol intenso.
O cerrado domina a paisagem, conferindo um charme agreste ao município de 66 mil habitantes, mas é a fé que move a cidade. Todos os anos, milhares de romeiros, vindos de diferentes regiões do Brasil, se reúnem na gruta transformada em santuário. A economia local floresce ao redor do turismo religioso: hospedarias, restaurantes e barracas de lembranças sacras completam o cenário de devoção.

Santuário de Bom Jesus da Lapa ─ Foto: Will Assunção/WA
A história começa na gruta Lapa do Morro, onde, no século XVII, portugueses depositaram a imagem de Cristo, o Bom Jesus. O morro, com cerca de 100 metros de altura, abriga seis grutas calcárias, cenário de fé, mistério e tradição.
Em 1681, o português Francisco de Mendonça Mar teria atravessado a caatinga em uma via-crúcis solitária, carregando a imagem de Jesus crucificado até o morro. O gesto de penitência e devoção chamou atenção de curiosos e devotos — e, com o tempo, consolidou Bom Jesus da Lapa como um dos maiores polos de peregrinação do Brasil, atrás apenas de Aparecida (SP) e Juazeiro do Norte (CE).
Santuário de Bom Jesus da Lapa ─ Foto: Will Assunção/WA
Durante agosto, uma procissão percorre as ruas do centro histórico, com cânticos que ecoam pelas rochas do morro. Em julho, a Romaria da Terra e das Águas celebra a relação entre fé e natureza; já em setembro, é a vez da festa de Nossa Senhora da Soledade. Entre agosto e novembro, o movimento atinge o auge: até 1,5 milhão de visitantes percorrem os caminhos empoeirados que levam à cidade, segundo dados da prefeitura.
Durante agosto, uma procissão percorre as ruas do centro histórico, com cânticos que ecoam pelas rochas do morro. Em julho, a Romaria da Terra e das Águas celebra a relação entre fé e natureza; já em setembro, é a vez da festa de Nossa Senhora da Soledade. Entre agosto e novembro, o movimento atinge o auge: até 1,5 milhão de visitantes percorrem os caminhos empoeirados que levam à cidade, segundo dados da prefeitura.
Santuário de Bom Jesus da Lapa ─ Foto: Will Assunção/WA
De longe, a chegada é marcada por uma torre em frente à gruta, coroada por uma cruz que toca simbolicamente o céu. Dentro do santuário, salões de pedra abrigam imagens sacras iluminadas por velas e ex-votos. Grupos entoam cantos de reisado, acompanhados de violinos e pandeiros, enquanto fiéis sussurram nomes e pedidos de cura em cada missa celebrada.
Santuário de Bom Jesus da Lapa ─ Foto: Will Assunção/WA
Bom Jesus da Lapa também oferece um turismo profano e ribeirinho. Ao entardecer, visitantes se banham nas águas quentes do Velho Chico ou atravessam o rio em charretes improvisadas. Na outra margem, bares rústicos oferecem sombra e refresco sob a ponte de 1.400 metros, criando um cenário onde o sagrado e o profano se encontram.
Santuário de Bom Jesus da Lapa ─ Foto: Will Assunção/WA
O clima é de semiárido severo, com temperaturas que facilmente alcançam 38 °C. Peregrinar sob o sol do sertão exige resistência, fé e preparo: água, protetor solar e chapéu são indispensáveis, assim como combinar pontos de encontro em meio à multidão.
O clima é de semiárido severo, com temperaturas que facilmente alcançam 38 °C. Peregrinar sob o sol do sertão exige resistência, fé e preparo: água, protetor solar e chapéu são indispensáveis, assim como combinar pontos de encontro em meio à multidão.
Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) referentes ao período de 1969 e 1970 e a partir de 1973, a menor temperatura registrada em Bom Jesus da Lapa foi de 8,9 °C, em 21 de junho de 1978, e a maior atingiu 41,7 °C em 22 de outubro de 2015.
Entre o barro vermelho, o brilho das velas e o rumor do Velho Chico, Bom Jesus da Lapa revela o Brasil de devoção — um lugar onde o sagrado e o terreno se confundem, e onde a fé, mesmo sob o sol inclemente, é o maior milagre.





