Discurso de Éder contra professores revela fosso na educação em Jussiape


Éder Jakes, prefeito de Jussiape ─ Foto: Will Assunção/WA

O prefeito de Jussiape, Éder Jakes (PSD), afirmou, na sessão de retorno às atividades da Câmara, na sexta-feira (12), que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em Jussiape não acompanha o mesmo nível de gratificação salarial que os professores do município recebem. Éder questionou ainda os educadores que se graduaram e “não transmitem o saber aos alunos” em Jussiape. 

Empenho-me em acreditar que o prefeito tenha dito tamanho descalabro não por perversidade, mas por mero desconhecimento do que diz respeito à educação e ao complexo sistema educacional do País, que exige cada vez mais dos professores.

Ao analisar o discurso do gestor, percebe-se a concepção arcaica que ele possui da educação manifestada na sala de aula, quando afirma que os educadores “não transmitem o saber aos alunos”. A ideia do professor como detentor de todo o conhecimento e do estudante como mero receptor revela muito sobre a visão enrijecida das concepções pedagógicas do passado que o país ainda conserva.

Ao atribuir aos professores da rede municipal de ensino o desempenho insatisfatório no Ideb, Éder traça uma correlação injusta e enganosa de causa e efeito ao dizer: “não cobram o porquê de o Ideb de Jussiape não acompanhar o mesmo nível de gratificação salarial que eles recebem”. 

A visão equivocada do prefeito sobre educação o faz seguir uma lógica simplória e frágil. Entendamos: se o professor, em tese, ganha bem e deveria tão somente estar incumbido de apresentar resultados concretos, como índices de desempenho, esse mecanismo meritocrático — totalmente questionável — também deveria servir para medir a competência dos gestores municipais. 

Seguindo a mesma lógica imposta pelo prefeito, a cidade deveria estar impecável em todos os âmbitos e planos, uma vez que ele, como administrador do município, tem salário de R$ 16 mil, reajustado em 2020 em 24,8%. Ele ganha muito bem como gestor, mas Jussiape não é nem de longe uma cidade vitrine da Chapada Diamantina.

A comparação feita anteriormente, que serve apenas para refutar as incoerências ditas pelo prefeito, prova que o êxito na educação em qualquer lugar do mundo está atrelado a diversas condições pré-existentes. De igual modo, o desenvolvimento de um lugar depende de múltiplos fatores.

Outra fala de Éder que causa assombro é a seguinte: “De que basta fazer graduação, aperfeiçoar, e não transmitir para o alunado de Jussiape tudo isso?”. Suponho que o prefeito possua um conceito para “tudo isso” ou que tenha parâmetros técnico-científicos e filosóficos para mensurar, com tamanha exatidão, a eficiência de cada professor em produzir e compartilhar conhecimento. Afinal, qual é o critério metodológico utilizado por Éder para medir a competência dos professores da rede municipal de ensino? 

“Não cobram dos mesmos professores, e cobram quinquênio, e cobram graduações.” Sim, são direitos conquistados, e não há nada de errado em usufruí-los dentro da legalidade. É importante notar que a culpa tende a recair sempre sobre os docentes. Dessa forma, os professores se tornam alvos fáceis de políticos que os responsabilizam pelas deficiências estruturais e de gestão.

“Quantos alunos aqui [de Jussiape] foram aprovados na prova do Enem? Conta-se nos dedos”, provocou Éder. Sou professor e atuo como docente desde 2011. Durante esse tempo, percebi que muitos dos meus alunos não seguem com os estudos, seja porque não possuem condições de se manterem em outra cidade, seja porque estão desacreditados da educação e partem para o mercado de trabalho logo após concluírem o ensino médio.

Para a maioria dos alunos que cursam as séries finais do ensino médio, não há expectativa de obter uma boa pontuação no Enem, pelo simples fato de não haver perspectiva de cursar o ensino superior no ano seguinte. Muitos deles encaram, inclusive, a escola como uma etapa obrigatória exigida pelos pais. 

Mas já que houve tanta eloquência no discurso do prefeito em destacar que alunos não estão sendo aprovados no exame, há uma pergunta que paira sobre todos nós: qual o incentivo ou política pública adotada pela gestão do prefeito Éder que pode ser utilizada pelos alunos do município que desejam dar continuidade aos estudos?

“O ambiente escolar, em uma escala que eu vou dizer aqui, é o menor ambiente de proporcionalidade para se contaminar com o novo coronavírus.” No entanto, o prefeito esqueceu (ou preferiu não dizer) que houve profissionais contaminados circulando nesses mesmos ambientes. 

O prefeito afirmou ainda que todos os professores frequentam a feira livre, vão ao culto, seja evangélico ou católico. A maioria, em suma, independentemente da bandeira político-partidária assumida, participou, à época da campanha eleitoral, dos mais diversos movimentos políticos, lembrou; e ressaltou que não viu preocupação com a contaminação pelo novo coronavírus.

Éder parece se esquecer do papel de prefeito e da carreira de médico que segue. Tanto como prefeito quanto como médico, é esperado que ele se preocupe com os riscos de contaminação da população, haja vista o número de infecções e mortes por Covid-19 em Jussiape. Obrigar professores a se reunirem no momento mais crítico da pandemia contradiz qualquer fundamento sanitário, independentemente de quem tenha assumido uma postura irresponsável diante da crise sanitária.

A fala de Éder revela como muitos políticos enxergam os educadores. Essa interpretação descuidada leva a crer que a responsabilidade por todos os problemas atrelados à educação pertence apenas aos professores. Mas, afinal, de quem é essa responsabilidade? 

É consenso entre os mais prestigiados estudiosos que a crise que atinge a educação é estrutural, o que implica uma série de fatores, como os socioeconômicos, de infraestrutura, psicológicos e a política educacional adotada pelos governos. Muitos gestores querem ações de efeito rápido em uma área que exige tempo, pois o passivo herdado do descaso com a educação é histórico e remonta a séculos. Os professores não podem ser vistos como os únicos atores desse panorama.

Além disso, deve ser considerada também a política educacional, que os governos raramente colocam em prática. É preciso enxergar fora dos limites da sala de aula, em busca da compreensão das causas e das condições reais que comprometem o andamento da educação. 

É necessário considerar, por exemplo, que o professor muitas vezes trabalha em condições precárias. Questões como a valorização docente e as funções de trabalho do profissional de educação não aparecem na avaliação do Ideb. É necessário olhar com cuidado para os dados.

Alguns pontos que devem ser observados para que haja maior entendimento dos possíveis entraves na educação em Jussiape:

1. A pasta de Educação possui autonomia e capacidade técnica para gerir com eficiência, disponibilizando políticas para a educação e um projeto político-pedagógico que contemple a realidade de Jussiape?

2. O perfil dos profissionais que ocupam cargos de direção das unidades escolares: esses educadores possuem formação exigida para a área em que atuam?

3. Houve preparação, planejamento e discussão entre os professores, coordenadores e gestores escolares em uma jornada pedagógica para o início do ano letivo?

4. Há consciência de que os resultados no Ideb também são de responsabilidade do gestor municipal?

5. Qual o projeto político-pedagógico apresentado pela Secretaria de Educação de Jussiape na atual gestão?

6. Qual a prioridade recebida pela educação no plano de governo proposto pela campanha de Éder?

O Ideb apenas expôs que o fosso existente na educação em Jussiape não é menos profundo que o abismo da educação brasileira. Os números desse índice refletem, sobretudo, a desigualdade no Brasil — uma constatação feita por cientistas dedicados ao estudo da educação no País. A culpa por esse resultado, no entanto, acaba injustamente recaindo sobre o professor, a fim de acobertar as disparidades sociais e as ingerências dos governantes.